Não é difícil nos lembrarmos da época em que o fax era o equipamento eletrônico mais importante e revolucionário que tínhamos à disposição. Quase que simultaneamente surgiram as impressoras, os computadores e os primeiros celulares que, hoje, seriam facilmente catalogados em museus.

Mas estamos em pleno século XXI, e precisamos somente apertar algumas teclas para que nossos contratos estejam assinados e que as transações sejam fechadas. O uso da tecnologia no mercado imobiliário cresceu de forma exponencial nos últimos anos e é certo que muitos profissionais ainda estão tendo dificuldades para se adaptar a essas mudanças tão rápidas.

Smartphones, aplicativos que transmitem imagens em tempo real, realidade virtual, assinaturas digitais e uma quantidade enorme de ferramentas tecnológicas vem transformando o modo de trabalho dos corretores de imóveis.

A corretagem tradicional, que costumava ser repleta de papeis, contratos, certidões e processos burocráticos e demorados, conta hoje com a inteligência artificial como assistente. E se toda essa tecnologia está disponível, ela certamente não veio para substituir o papel do corretor, mas para aprimorar seu trabalho e permitir que o profissional se concentre no que realmente interessa a seu cliente. Se engana quem pensa ao contrário.

Por essa razão, causam espanto matérias como a publicada na última semana, na revista Veja, de título: “O Robô Corretor”, do jornalista Lucas Cunha. O texto inicia falando sobre as infinitas dificuldades encontradas por aqueles que desejam comprar ou vender imóveis da maneira tradicional, valendo-se da assessoria de um corretor. Na visão do jornalista, esse seria um processo desgastante, frustrante, repleto de visitas cansativas a imóveis degradados cujos corretores querem empurrar a qualquer custo aos interessados. A saída, então, segundo a matéria, seria optar por empresas que estejam abrindo mão dos serviços dos corretores e se valendo de aplicativos para realizar as mais variadas etapas da negociação.

Uma delas, por exemplo, promete avaliar imóveis com muito mais precisão do que um “corretor de carne e osso”, conseguindo encontrar propriedades que estejam com preço abaixo do mercado por precisarem de reparos. A partir daí, a empresa compra à vista, reforma e revende a propriedade, a exemplo do que vem sendo feito nos EUA. Segundo o texto, o vendedor chega a um desconto de 20% para negociar o imóvel no estado em que se encontrar e o comprador terá toda a tranquilidade de adquirir uma propriedade impecável, e também com descontos! Esse seria realmente o cenário dos sonhos, se não levássemos em consideração a credibilidade das empresas e a confiabilidade das reformas que são executadas.

No Brasil, para uma empresa comprar um imóvel, não precisa de corretor. Mas é preciso deixar claro que o corretor também não vende propriedades, porque não é atribuição de sua atividade. Ele tem, sim, que proporcionar segurança patrimonial aos compradores.

Vale lembrar que o Código de Ética proíbe que o profissional influencie na decisão de seu cliente. O corretor de imóveis faz a assessoria com todo o seu conhecimento técnico, avalia a documentação e demais questões pertinentes, sendo ainda responsável por tudo o que der efeito ao negócio, conforme Artigo 723 do Código Civil Brasileiro.

A matéria diz, ainda, que os preços dos imóveis da Redfin – uma das startups mencionadas – ficam até US$ 8.400 dólares mais baixos na média, o que não deixa de ser uma argumentação estúpida para a situação. Ora, se estivéssemos eu e Bill Gates juntos em uma mesma sala, teríamos, em média, US$ 25 bilhões cada um, mesmo que eu só tivesse alguns poucos centavos no bolso!

No lugar de demonstrar como a tecnologia está se embrenhando pelo mercado imobiliário, o texto Robô Corretor prova, sim, que a intermediação imobiliária é um bom negócio e que as startups estão ganhando muito dinheiro!

Um dos entrevistados diz textualmente: “Quem tiver a melhor base de dados e souber como usá-los deixará os demais para trás”. A postura dessas startups é totalmente oposta a dos corretores de imóveis, cujo objetivo é conseguir uma boa propriedade e a segurança patrimonial para o cliente, que nele confia.

O texto promove um negócio realmente muito bom, tanto que o portal Zap, que se construiu por meio dos anúncios de corretores e imobiliárias, hoje pensa em ganhar também no mercado imobiliário. Mas em nenhum momento justifica-se que esse possa ser o futuro do nosso mercado e da nossa categoria.

A revista menciona que o tempo de venda de um imóvel é de, em média, 468 dias.Novamente retornando à média, há pessoas que vivem mais de 100 anos e há outras que não passam de um ano de vida. Assim como no mercado imobiliário, há imóveis que são vendidos em um ano e outros que demoram apenas uma semana. A média é imprecisa para dar a ideia da liquidez das propriedades.

O texto também fala que os descontos, nesses casos, podem chegar a 20% nas negociações, o que seria uma loucura, pois ninguém estaria disposto a dilapidar um patrimônio dessa maneira.

O mercado imobiliário como investimento é um terreno minado onde ganham dinheiro somente os grandes especialistas e os muitos especuladores. Para o cidadão comum, todo cuidado é pouco.

Confiar cegamente em tecnologia em detrimento da capacitação do profissional pode ser muito perigoso. Hoje, quando as pessoas fazem exames médicos, pegam os resultados e vão ao Google para checá-los. Mas é imprescindível que também se dirijam aos consultórios em busca da solidez de conhecimentos, da expertise dos médicos. Não acredito que há quem queira apenas ouvir a opinião de um robô, a partir de um cruzamento de algoritmos. E dessa forma, a profissão de médico não está sendo prejudicada pelo Google. Apenas ele permite que o paciente chegue aos consultórios com uma carga de informações que não tinha antes.

As startups tendem a ter vida curta em muitos mercado pela falta de objetividade, confiança e pelas inúmeras reclamações que já se encontram nos sites de atendimento ao consumidor.

O fato é que a sociedade precisa passar a ver o corretor como um consultor, um assessor e nunca como um vendedor. Sua atividade é totalmente diferente da que é realizada por meio do e-commerce, por exemplo. E mesmo grandes lojas de varejo, como o Walmart e o Supermercado Dia, já estão repensando seus negócios e desistindo das vendas on line. No noticiário do e-commerce Brasil, já há notícia da venda da NetShoes ao Magazine Luíza por valor muito inferior ao que ela atingiu no seu IPO. A carga emocional que envolve a transação, o capital economizado por anos e anos, o valor sentimental da propriedade, enfim, todas essas questões não são simples de serem solucionadas por um clique. A segurança e a expertise necessárias continuam nas mãos dos intermediadores.

O corretor de imóveis existe para proteger ambas as partes – comprador e vendedor – no momento da transação imobiliária e, como figura humana, jamais poderá ser visto como um software ou uma startup, que buscam somente arrematar os milhões de dólares de possíveis investidores.

José Augusto Viana Neto
Presidente do CRECISP

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